Uma MAV q não me impede de viver!!!


Capítulo 11

A volta pro quarto era pra ser motivo de muitas alegrias, mas pela primeira e única vez na vida eu me sentia sem forças pra lutar... Creio que pela medicação forte que estava tomando e também pela perca muito grande de sangue, não sei ao certo, só sei que voltei para o quarto sem vontade de nada, nem de falar... e quem me conhece sabe, que vontade de falar é o que eu mais tenho... hahaha
O mais triste disso é que eu desanimando, meus pais também não conseguiam encontrar energia... foram momentos difíceis, verdadeiramente, assustadores... Minha prima de Curitiba estava sempre conosco com uma alegria de viver incomum, porém não estava sendo suficiente para me reerguer... 
Por sorte, uma prima-irmã, cuja nossa ligação sempre foi extremamente forte, foi para Curitiba e passou alguns dias conosco no hospital... Ela foi imprescindível para a minha retomada à vida, ela me conhece muito bem e sabia o que fazer... ela me entusiasmava me desafiando... me "cutucando"... hahaha
E assim estimulava os meus pais também... 
 
Nas outras cirurgias, eu sempre queria levantar o mais rápido possível, nunca quis esperar as horas recomendadas, e a desculpa era sempre o fazer xixi... hahaha
Dessa vez eu não tinha vontade, mas de qualquer forma o reinício da vida normal deu-se como sempre, com o fazer "xixi" no banheiro... hahaha
 
Uma ação tão banal para 99% da população, e que por isso nunca valorizamos, por vezes até reclamamos quando precisamos levantar durante o trabalho, de madrugada ou no meio de um filme para ir ao banheiro... Mas depois de longas horas usando uma sonda e sem poder se levantar, ir ao banheiro fazer xixi é a sensação mais deliciosa do mundooooo.... Pra mim pelo menos, depois da primeira cirurgia sempre foi, e nesses dias era o sinal de vitória que todos queriam que eu desse, era o sinal que a vida continuava... 
Ah, e o motivo de cansaço para a minha prima que se tornou a responsável por ir comigo até ao banheiro de 20 em 20 minutos carregando o carrinho de soro... hahahaha
 
O meu primeiro riso veio assim, eles dizendo que queriam que eu levantasse, mas que também não precisava levantar tanto ... hahaha
 
E assim foi que eu ressurgi... e assim foi o meu renascer... :)
 
Quando você para sua vida, ao recomeçar tudo acaba sendo novo de novo... Cada ação, cada reação... a novidade torna-se constante... 
 
Mesmo depois de resolver "levantar" literalmente, ainda passei alguns dias no hospital para me reestabelecer e poder voltar pra casa... Numa noite descobri que além da cebola e da UTI, também tenho alergia ao TRAMAL, um medicamento muito utilizado em pós cirúrgicos para controlar a dor... eu sufoquei depois que recebi essa medicação na veia, meus pais passaram à noite toda me "abanando".... no outro dia cedinho meu pai resolveu sair para comprar leques, até hoje não entendi o porquê... hahaha
 
Essa foi a internação mais longa da minha vida... foram 17 dias no Hospital Nossa Senhora das Graças, sem colocar o pezinho na rua... Mas foram 17 dias de muito aprendizado... Nesse tempo aprendi que a vida aqui fora é brilhante mesmo nos dias cinzas... Aprendi que não existe nada maior que o amor... Aprendi que nos momentos mais difíceis é que conhecemos as pessoas mais incríveis... Aprendi que o sofrimento pode ser só o primeiro passo para a felicidade...
 
Nesses dias conhecemos uma família, cujo pai esteve em procedimento cirúrgico no mesmo dia que eu... A Família Gabardo, formada por pessoas fortes, generosas e cheias de amor pra dar... Seu Acir, Dona Para, suas filhas, seus netos... pessoas muito especiais que mesmo diante da dificuldade que estavam vivendo conseguiram nos transmitir uma mensagem de fé e coragem... 
 
Eu encontrei muitas pessoas fenomenais...
 
Eu fui muitíssimo bem tratada em todos esses dias, pelos meus familiares e amigos que me visitavam sempre, pelos meus médicos que são anjos caídos do céu, pela equipe da cozinha (meus alimentos tinham que ser feitos, individualmente, pois não posso comer cebola), pela equipe da limpeza (pasmem, mas uma das meninas ofereceu sua própria casa para meus pais ficarem quando fui pra UTI, que coração de ouro)... E pela equipe de enfermagem, ah... pela equipe de enfermagem eu fui tratada às vezes como um bebê, às vezes como uma princesa, e em todos os momentos como uma querida amiga... 
 
Há quem possa pensar que isso não é uma atitude profissional, tratar pacientes como amigos, mas eu acho que o maior profissionalismo é entender o que o paciente precisa... Eu, particularmente, não precisava só de injeções na veia, o meu melhor remédio era o carinho e o sorriso que chegavam junto com as medicações... hahaha
 
Lembro como se fosse ontem, no penúltimo dia hospitalizada perdi o acesso, isso quer dizer mais uma "picadinha"... só que mais uma picadinha para quem já havia levado tantas e que ainda estava tão fragilizada com todos os acontecimentos, não era só uma picadinha, era praticamente uma violência... 
Eu pedi, encarecidamente, pra "Marli", minha enfermeira/amiga ou amiga/enfermeira, que não pegasse, novamente, minha veia... que não precisava, pois no outro dia eu já iria pra casa... mas claro que ela precisava pegar outro acesso, ela precisava dar a medicação que faltava... E ela tentou, mas eu estava tão nervosa e chorava tanto que minhas veias desapareceram... tamanha era sua empatia comigo, que ela mesmo não aguentou sem derrubas algumas lágrimas, e para não me fazer sofrer foi buscar a enfermeira mais experiente do hospital para fazer isso em seu lugar... acho que essa foi a demonstração mais sincera de amor e de carinho por um paciente que eu já vi, muito maior que tudo que eu esperava ver... :)
 
E não foi só a Marli que ficou guardadinha no meu coração, as suas colegas também... nunca vou esquecer de uma querida que vinha me dar banho e dizia que ela fazia "barba, cabelo e bigode".... hahaha 
Gente, ela trabalhava em dois hospitais, acordava de madrugada para ir trabalhar, e mesmo assim passava uma paz e uma alegria surpreendentes... E tinha outra que era a ternura em pessoa... cada vez que entrava no quarto eu me sentia abraçada pelo seu olhar... enfim que trocavam os turnos e eu sempre estava muito bem assistida, tanto pelos meus pais, que trabalharam 24horas por dia nesse período e por toda a equipe desse hospital... 
 
A hospedagem estava muito boa, mas o que a gente pensa quando entra num hospital, é que horas eu vou sair daqui... hahaha
Então chegou o grande dia, o dia de voltar pra casa... e como é bom voltar pra casa, ainda mais num domingo, o dia oficial para se festejar... Saí do hospital levando o contato da Marli e um cartão da empresa do seu Acir... e depois de algum tempo entrei em contato com os dois...e acho que nem preciso dizer que essas amizades perdurarão para sempre... :)
 
Meu irmão foi nos buscar, nossa que alegria ver o meu irmão de novo... sempre protetor, sempre querendo me ver feliz, durante a viagem fez de tudo para descontrair e me fazer pensar em coisas boas... A viagem passou, rapidamente, e domingo à tarde estávamos em casa... 17 dias depois do suplício, eu retornava pro meu lugar, ainda fraquinha, mas cheia de coragem para retomar minha vida... 
São tantos detalhes que me vem à mente... Depois de tantos dias fora de casa, chegamos e estava tudo limpinho, arrumadinho... como dizem, quem têm amigos tem tudo... Além de estarem preocupados comigo, as tias e as vizinhas mais próximas preocuparam-se também em arrumar tudo para nos receber... um gesto de carinho tão grande que jamais vamos esquecer... 
 
São tantos fatos na minha memória... Pequenos detalhes que fizeram toda a diferença...
 
Os primeiro dias em casa não foram muito tranquilos, eu não me sentia segura, eu não conseguia dormir... Mesmo tomando "dormonid",  eu só dormia de duas a três horas por noite e quando o efeito do remédio terminava eu ficava acordada olhando para as paredes e isso no quarto dos meus pais, porque não tinha coragem de dormir sozinha no meu quarto... Acho que o meu inconsciente só pensava em dormir e acordar no meio de outro sangramento... :(
Foram dias e dias e dias assim... 
Eu não me sentia numa situação confortável, nem física muito menos emocional... 
Eu estava cheia de pontos na gengiva o que me impossibilitava de me alimentar e de falar direito e também estava cheia de lembranças tristes perturbando a minha rotina...  mas, gradativamente, com o amor da minha família e meus amigos, com as visitas constantes de pessoas preocupadas comigo, tudo foi melhorando... Cada visita, cada palavra de carinho, cada gesto de amizade, tudo foi muito relevante na minha recuperação... 
 
Pensem só, que numa noite uma turma de alunos fretou um ônibus para vir me visitar, e a professora que me substituiu veio com eles mesmo correndo o risco de perder o emprego...hahaha Isso é o que chamo de amizade...  
Essa deliciosa visita era para ser surpresa, mas meus pais acabaram me contando por medo que eu ficasse emocionada demais... 
Foi tão lindo, depois de se perderem em Mangueirinha, de entrarem na casa errada (porque o povo de Mangueirinha é muito hospitaleiro, recebe bem mesmo quando a visita é do vizinho hahaha)... Depois de tudo isso, meus querido amigos até cantaram pra mim sob o ritmo ditado pelo violão da Ir. Sandra... nossa, como o carinho das pessoas pode nos fazer tão bem... Como saber que se é querida pode mudar o curso das nossas vidas?!? 
 
Eu passei três meses em atestado,  nessa fase minha rotina passou a ser TV, internet, TV, TV, TV e longas conversas com minha mãe, porque meu pai precisou voltar ao trabalho e como trabalhávamos juntos, ele tinha muita coisa acumulada pra resolver... então minha mãe passou a ser, sozinha, a responsável por meus cuidados diários... passou a ser minha "enfermeira, nutricionista, psicóloga" e continuou sendo a minha melhor amiga... e meu pai aprendeu até fazer compras no supermercado depois do trabalho, e detalhe, sem esquecer de nada que eu mais gostava...  já estou chorando só de lembrar de tamanha entrega dos meus dois herois...
 
Bom, pra quem é acostumado com uma vida corrida, ficar em casa quietinha foi um tanto quanto complicado, mas eu não podia voltar à ativa naquele momento.... às salas de aula não tinha como voltar porque minha fala estava bastante comprometida e à contabilidade da prefeitura porque meu médico tinha feito uma recomendação expressa  - nada de stress... 
Passado um mês e pouquinho em total repouso, iniciei alguns trabalhos por conexão remota... afinal eu ficaria mais estressada sabendo que todo o meu trabalho estava por fazer... 
 
Claro que alguns medos ainda me rondavam, mas maior que eles sempre foi minha vontade de viver... 
Um passinho de cada vez, e em três meses eu já estava de volta também à Faculdade... 
E foi assim que minha vida recomeçou... ;)