Uma MAV q não me impede de viver!!!


Capítulo 15

Voltei das minhas primeiras férias... voltei da minha primeira viagem de avião... voltei após sentir, pela primeira vez, a tão sonhada sensação de liberdade, depois de um longo tempo vivendo em minha prisão emocional... 
 
Agora eu só trabalhava na Câmara, já havia largado às aulas mesmo na Faculdade em Mangueirinha porque o que eu queria era viver e aproveitar cada brilho do sol, cada gota da chuva, cada momento de alegrias ou aprendizados... eu não queria mais ter o trabalho como refúgio para os meus medos, eu queria agora viver, viver, viver... eu queria ter o que dizer ao meu dentista querido, quando ele me perguntava como está a vida??? Sem ter que referenciar o trabalho como a minha vida...
 
Mesmo querendo aproveitar tudo, eu continuava consciente de que tinha um problema de saúde sério e que precisava me cuidar, então continuava o acompanhamento com o Dr. Lauro, e foi numa dessas consultas que ele me avisou que o Dr. Márcio, o cirurgião endovascular responsável pela embolização da última cirurgia, queria muito falar comigo pois tinha uma novidade para o meu caso. 
Gente, cinco anos depois, eu nem imaginava que o Dr. Márcio ainda lembrava-se de mim, pois nós havíamos nos visto só duas ou três vezes naquela oportunidade... cinco anos depois e surgia uma nossa possibilidade... eu tremi... 
 
Eu saí do consultório atônita, o medo mais uma vez tomou conta de mim, e olha que eu nem sabia o que ele iria me propôr. O Dr. Lauro mesmo ligou e marcou minha consulta com seu colega.
Com a consulta marcada e a possibilidade de um novo tratamento meu coração disparou, a ansiedade se hospedou no meu corpinho... hahaha
 
Eu não queria mais nenhuma cirurgia, eu só queria viver tranquila... 
Eu não queria mais nenhum procedimento de risco, eu não queria mais nenhuma anestesia, eu só queria sorrir, correr, dançar, viajar... 
Mas tudo o que eu queria, o que eu sonhava de uma certa forma dependia de algo a mais, de certa forma estava vinculado à uma nova tentativa para me proteger, para me dar segurança...
 
Lembro que fui procurar o Dr. Alan, meu homeopata para me aconselhar, e ele me disse: "Cuidado, Luciana, há profissionais que querem agir por pura vaidade"... Nossa, aquelas palavras não saíram da minha cabeça... o Dr. Márcio, era praticamente um desconhecido pra mim... será que ele queria fazer uma experiência comigo para alimentar seu próprio ego??? 
Se minha ansiedade já era grande, nesse momento ela ficou imensa...
 
Enfim chegou o dia da consulta com o Dr. Márcio, eu estava gelada, as mãos estavam suando e quando ele nos recebeu, com um olhar tão afetuoso, e dizendo: "Luciana, desde a primeira vez que a vi, senti uma grande empatia por você, e desde então estou em busca de um novo tratamento para o seu caso"... nesse momento meu coração se acalmou, aí sentamos todos ao redor de sua mesa e ele fez um desenho da minha face, mostrando como a minha malformação arteriovenosa era nutrida e como o tratamento deveria ser realizado... explicou tudo direitinho, e ao final olhou bem nos meus olhos e me disse: "Não se preocupe, não é por vaidade minha que propus esse tratamento" e concluiu "eu não prometo milagres, eu só quero lhe dar uma melhor qualidade de vida"... 
 
Nessa hora eu achei que ele era vidente ou algo parecido, como ele sabia da questão "vaidade", será q ele lia em meus pensamentos àquela frase do meu homeopata que não me saía da cabeça???... ai, ai, ai... acho que fiquei vermelha... haha
 
Não sei ao certo o porquê do Dr. Márcio usar a mesma expressão, só sei que essas palavras tiraram quaisquer dúvidas que existiam em mim... eu as entendi como um sinal de que eu podia confiar... 
E ainda me senti mais segura com toda sua sinceridade em falar que não me prometia nenhum milagre e também em nos informar que mandaria minhas fotos e meus prontuários para o Dr. Abath, o maior especialista nesse tipo de embolizações do Brasil, e que quem "presidiria" o primeiro procedimento seria ele...   Ainda mais por me explicar, detalhadamente,  os riscos que o tratamento trazia consigo, afinal, não há cirurgias sem riscos... afinal, não há anestesias sem riscos... Afinal, tudo que é mais gostoso na vida, têm seus riscos.. hahaha
 
Depois da aula que tivemos com o Dr. Márcio e do incentivo que recebemos do Dr. Lauro, não haviam mais dúvidas, resolvi encarar esse tratamento de frente mesmo sabendo que não seria fácil.... o tratamento seria realizado por uma sequência de embolizações, como as que eu fazia antes de cada cirurgia, porém utilizando-se de um novo produto conhecido como ônyx... O ônyx depois de introduzido nos vasinhos demora um tempão para "concretar" esses vasos, quase dois minutos.. hahaha Dois minutos, parece nada, mas nesse tempo os cirurgiões endovasculares conseguem colocá-lo no lugar exato, e depois de "concretado o vasinho" esse efeito é permanente, por isso que apostamos todas as fichas nesse novo embolizante. 
 
Por ser um produto novo no mundo todo, tivemos que travar mais uma batalha, a batalha com o Plano de Saúde que precisava de milhares de informações para atestar que o produto era confiável, que traria resultados positivos e ainda para comprovar que a "Luzinha" aqui já tinha usado todos os demais embolizantes existentes no mercado... Afff, como foi difícil conseguir a autorização do meu plano para o primeiro procedimento... Meu pai, eu, e o Dr. Márcio trabalhamos muito em função dessa autorização, o Dr. Márcio trabalhou muito mais que nós porque eles exigiram comprovantes de cirurgias realizadas há dez anos, e depois de tanto sacrifício, um belo dia recebi uma ligação, "surpresa" a UNIMED havia autorizado o procedimento...
 
Sinceramente, não sei se fiquei feliz ou se fiquei triste, mas fiquei sabendo disso no dia do meu aniversário e tentei pensar que essa autorização era um presente... Todos os dias entre a autorização e a realização dessa embolização foram tensos... eu tinha todas as explicações, eu sabia que internaria na noite anterior, que no dia seguinte eu seria levada para o centro de hemodinâmica (e já conhecia todo o processo de ficar horas e horas sem comer, de tirar toda a roupa e colocar àquela camisolinha super sensual, de deixar minha família chorando e seguir chorando também) e tudo isso era só pra entrar na sala, porque o durante e pós cirúrgicos eram totalmente imprevisíveis... 
 
A embolização foi marcada para o dia 16 de setembro, véspera do aniver do meu irmão, e eu medrosa como sempre e ansiosa como nunca quis dar o presente para ele num dia antes de partirmos para Curitiba, para ter a certeza que ele receberia o meu presente, acontecesse o que acontecesse... Porém ele se recusou e disse que queria receber o presente no dia do seu aniversário e pelas minhas mãos... Quanta dor, quanta força tirada não sei de onde para conseguir prosseguir com isso, para conseguir viajar para Curitiba, e dar entrada no hospital, assinar todos aqueles termos... Dá um arrepio só de pensar... Mas Deus nos encoraja, e só por isso não saí correndo do hospital antes de entrar naquela sala, porque vontade não me faltou... hahaha
 
Lembro que já cheguei chorando e não havia como ser diferente, a incerteza nos fragiliza demais, e eu não conseguia parar para pensar num resultado positivo, eu só pensava em conseguir sair daquela sala tão saudável como eu estava entrando, eu só pensava em não ter um AVC, eu só pensava em continuar falando, ouvindo, andando, e raciocinando como sempre... 
 
Eu sentia como se estivesse ali cumprindo uma obrigação, obrigadação de tentar que tinha com minha família, com meus amigos e com meus médicos que acreditavam na minha melhora... por isso eu não estava esperançosa com a cura, mas sim só esperava permanecer viva.
 
Fui muito bem tratada por toda a equipe da hemodinâmica. e por todos os envolvidos... anestesistas, enfermeiros, instrumentadora, Dr. Abath e o Dr. Márcio que é um exemplo de profissionalismo e de ser humano como poucos... 
 
A cirurgia demorou em torno de 6 horas e contam os meus pais, meu irmão e minha cunhada que eram muitos médicos naquela sala. Como o meu caso não é "comum" e o procedimento totalmente inovador, além do Dr. Abath, Dr. Márcio, instrumentadora, enfermeiros e os anestesistas, muitos outros profissionais quiseram assistir... Ah, sem contar com o Dr. Lauro o qual eu exigi a presença porque eu pensava, se alguma coisa não correr como o planejado, o Dr. Lauro precisa estar aqui para me salvar... Já que ele havia me salvado tantas vezes, nada mais normal que eu pedir para ele ficar de plantão ao meu lado... hahaha
 
Depois de tantas horas de cirurgia, saí direto para a UTI Cardíaca do Hospital Nossa Senhora das Graças... dessa vez eu fiquei consciente na UTI, e estar lá consciente é muito mais difícil... minha família só pode fazer visitinhas de quinze minutos... Eu estava lá entre muitas pessoas, mas eu sentia que estava lá sozinha... passei a noite toda em claro e ouvindo a conversa da equipe de enfermagem (descobri tudo de todos), eu tinha a nítida impressão que eles achavam que ninguém mais os ouvia, que não existia mais ninguém lá,  e isso só aumentava a minha insegurança e desconforto... Um verdadeiro horror, eu não conseguia falar alto porque estava super inchada, então quando eu precisava de ajuda era muito difícil me fazer ouvir... Pra mim estar lá já era um suplício, até o aparelho para medir meus batimentos preso ao meu dedo me deixava nervosa... Tudo me deixava angustiada... um enfermeiro bem querido veio no meio da noite me dar uma injeção na barriga e eu perguntei o que era, ele me explicou que era um anticoagulante e eu disse que não iria tomar, imagina só, a minha vida inteira eu tomei "coagulantes" agora ia tomar um anticoagulante, por que isso? Fiz ligarem para o Dr. Márcio pra confirmar se aquela prescrição era mesmo pra mim... E era... hahaha... mais uma agulhadinha para fazer minha noite mais feliz... :(
 
Eu sabia que iria pro quarto logo cedo, e quando o dia amanheceu o médico da UTI me examinou, tirou a sonda, o curativo compressor e me liberou pro banho...  pasmem vocês, depois de uma cirurgia de 6 horas, depois de uma anestesia geral, depois de 24h deitada e sem comer quase nada,  me levaram até a porta do banheiro em uma cadeira de rodas e me disseram o "vermelho é quente e o azul é frio, se precisar chame" ... Oi??? 
Eu nem sabia se conseguiria parar em pé e fui mandada pro banho sozinha... :(
Acho que é o procedimento normal, mas pra mim isso não era normal...
 
Desculpem todos os profissionais que trabalham nas UTIs, eu sei da importância que essa unidade e o trabalho de vocês têm para salvar tantas vidas... eu entendo perfeitamente que, apesar da tensão da sua atividade, estar ali é rotina para vocês e que a conversa com os colegas é normal como as minhas conversas com meu colegas de trabalho, mas naquelas horas me senti desprotegida, desamparada... 
 
De volta ao quarto, de volta à vida... 
Sensibilizada ao extremo, mas com a minha família comigo, agora sim eu me sentia protegida, eu me sentia segura... 
 
Eu já sabia que o procedimento tinha dado certo, eu já estava muito bem acolhida e no quarto, mas o que eu queria era fugir pra uma ilha deserta para não precisar fazer a próxima embolização... Eu não queria passar por tudo aquilo de novo :(
 
O Dr. Márcio foi me visitar, falar sobre o sucesso da cirurgia e conversar sobre a continuidade do tratamento... 
E eu não conseguia pensar em outra coisa, senão nas horas tristes que eu havia passado na UTI... Eu contei a ele o que eu havia passado, como estava me sentindo e disse que só faria a próxima embolização se voltasse direto para o quarto, para ser cuidada pela minha família... para tomar meu primeiro banho com a minha mãe me auxiliando, e com meu pai atento na porta caso precisássemos de ajuda... Ele concordou, nos cumprimentamos e o pacto foi selado... hahaha
 
Já em casa sofri muito com dores no pescoço... eu chegava a chorar ... Também sofri muito com o inchaço, eu não conseguia ficar mais de 4 horas deitada porque inchava demais, inchava todo o lado direito, inclusive a mucosa bucal e a garganta. 
Meus primeiros dias pós operatório foram tensos, dormia da meia noite e meia até umas 4h e aí levantava para desinchar... Depois lá por 8h da manhã eu voltava a dormir mais uma hora, uma hora e meia... mas pra compensar o inchaço da madrugada, durante o dia desinchava muito, muito, muito... 
 
Em 15 dias estava trabalhando e retomando as atividades normais do dia-a-dia... eu estava muito feliz com o resultado, pois para quem só esperava sair viva do hospital, eu estava com um lucro incalculável... além de sair viva e sorridente, ainda estava desinchando o que me fazia crer no sucesso do procedimento. 
 
Eu fiquei tão satisfeita com o resultado que resolvi fazer um book fotográfico para registar minha felicidade... 
No início do ensaio, a fotógrafa, uma jovem linda, procurava pegar um melhor ângulo, um ângulo que escondesse o hemangioma, mas isso era impossível, e também não era o que eu desejava, então ela me chamou de um ladinho e me falou, "Lu, você é linda, vamos fotografar normalmente??? 
 
Gente, era tudo que eu queria ouvir, era tudo que eu queria fazer...
E assim foi feito, ela me fotografou num lugar maravilhoso e usou de toda sua sensibilidade e fez com que suas lentes captassem o que há de mlehor em mim.... Amei todas as fotos, nem sabia quais escolher.... me senti uma diva.. hahaha
 
Só que nesse dia decidi que não queria seguir essa profissão... aff, modelo sofre muito...  é cansativo demais... Foi aí que entendi o porquê de ser contadora... hahahaha
 
E assim minha vida continuou, sabendo que precisaria fazer mais algumas embolizações...
Com a auto estima lá em cima... 
Com um sorriso largo e disposta a viver sem medos... :)