Uma MAV q não me impede de viver!!!


Capítulo 18

A única coisa boa da anestesia geral é que não vemos e não sentimos nada, mas quando ela começa a passar as sensações começam a surgir como um raio... 
 
Esse procedimento foi muito maior, os cirurgiões viram a possibilidade de embolizar uma área muito superior àquela que havia sido planejada e o fizeram... Além da inserção do ônyx através do catéter na virilha, também injetaram o produto, diretamente, no local... E confesso pra vocês, esse era um dos meus maiores medos... Eu conhecia essa possibilidade porém torcia para que nunca acontecesse... se uma espinha fazia sangrar rios, imagina penetrar uma agulha naquele local... :(
 
Mais uma vez eu descobri que não sabia nada e que o meu medo era idiota... claro que a agulha era penetrada, mas o produto era imediatamente, inserido sem risco de sangramento... que bom que eu estava errada... hahaha
 
Só soube de tudo isso quando já estava no quarto, voltando à lucidez e me deparei com uma faixa enorme cobrindo minha cabeça e com os olhares assustados do meu pai, minha mãe, meu irmão, minha cunhada, minha amiga...  eu não me vi nessa condição, mais sei que além da camisolinha do hospital e da faixa que não favoreciam em nada meu luck, ainda estava muito inchada e, incrivelmente, pálida... :(
 
Mas o importante é que mesmo acabadinha, eu estava no quarto entre o calor dos meus queridos e não na solidão da UTI... viva o Dr. Márcio que mais uma vez cumpria sua palavra mesmo com o coração apertado...
 
Como eu já sabia não poderia mexer as pernas por 24h e também demoraria um pouquinho para comer já que estava muito inchada... sofri demais para tomar meu atenolol, mesmo diluindo-o não conseguia engolir... Sabe quando a gente está com àquela dor de garganta terrível, então multiplica.... hahaha
 
Sabia que a noite seria longa, muito longa... Fazendo xixi na comadre, com sede, com fome, com dor, sem conseguir dormir, um pouco de náusea, preocupada com meu irmão e minha cunhada que estavam voltando pra casa, preocupada com meus pais que estavam, visivelmente abalados com a minha aparência, só que ao mesmo tempo aliviada por já ter encarado mais uma cirurgia... 
 
Perto das 3h da manhã meu pai não se sentiu bem, as enfermeiras relutaram em atendê-lo mas ao final, viram sua pressão e o diagnóstico: "fraqueza"... E não poderia ser diferente, uma vez que eu não pude comer, ninguém queria comer também, ele mal tinha almoçado e mais nada... Foi um grande susto, e eu não podia nem levantar pra tentar ajudar... :(
Sorte que com algumas bolachinhas e um chá ele, rapidamente, se recuperou... 
 
Claro que me aproveitei da situação pra dividir o chá e as bolachinhas com ele... hahahaha
Afinal eu já tinha completado 24h sem comer nada... nem sei como aguentei isso, pois sou acostumada a comer de três em três horas no máximo... 
 
Foi difícil, demorou, demorou, demorou mas o sol brilhou... o dia amanheceu, e parece que quando o dia amanhece tudo fica mais fácil... 
 
Já haviam informado que aquela faixinha linda só ficaria durante à noite, que logo cedo iriam tirá-la, pois ela só servia como uma proteção para não machucar no local das "punções"... 
 
Alegria em poder tirar a faixa, mas uma grande preocupação também... A necrose estava grande, e eu tinha total cuidado em limpar em passar a pomada, e agora eu não sabia o que poderia acontecer quando tirássemos aquela faixa que estava sobre ela... só pensava que poderia sangrar muito ao cair a crosta... mas queria tirar logo para acabar a agonia... 
 
A enfermeira chegou e eu já quis começar os trabalhos, tirar a faixa e tirar o curativo que tinha na necrose...
O problema é que são pouquíssimas as pessoas que tocam na região da minha malformação, e seja quem for, quando for, eu sinto medo... então eu mesma tirei o curativo e nele ficou toda a crostinha da necrose e graças a Deus não caiu sequer uma gota de sangue... Uffaaaaaaa... 
 
Ela quis refazer o curativo mas eu não deixei... eu sabia que já podia ficar sem curativos, mesmo porque com aquele monte de gases e esparadrapos eu jamais conseguiria avaliar como estava se comportando a necrose... 
Eu sou daquelas que precisa ver para crer...  hahaha
 
Eu havia feito a embolização à noite, então para cumprir as 24 horas sem me levantar precisaria esperar muito, muito, muito... e o que fazer com toda a ansiedade deitadinha naquela cama... eu precisava me ver no espelho e com muito jeitinho consegui convencer a enfermeira a me levar ao banheiro... Acho que sou um tanto quanto chata... hahaha 
 
Adiantei umas 12 horas na minha recuperação... 
Poder levantar para ir ao banheiro, mesmo que tenham me levado numa cadeira de rodas para eu não firmar a perna e assim não prejudicar a cicatrização na virilha, foi maravilhoso... Sair da cama devolve o ânimo... Sair da cama devolve a vida... Eu, particularmente, só gosto de cama para dormir e algumas outras coisinhas que não vêm ao caso agora... hahahaha
 
Nessa estada no hospital eu comi muito melhor porque minha amiga e minha mãe faziam as comidinhas e traziam pra mim... aquela comida do jeito que eu gosto e cheia de amor caiam como vitaminas no meu organismo... dessa vez, depois dos três dias de internamento, saí super forte do hospital... poderia até voltar dirigindo se fosse necessário... :)
 
Sem fraqueza por me alimentar bem, mas num pós operatório mais complicado pois nesta cirurgia, embolizou-se 3 vezes mais que nas outras... como não há um corte externo é difícil explicar a importância do procedimento e quais são as suas consequências... O inchaço foi imenso, mais uma vez eu não tinha como dormir mais que 4 horas por noite... no meio da madrugada eu levantava, ficava um bom tempo sentada no quarto mesmo,  para não acordar meus pais e quando estava mais próximo ao amanhecer ia pra cozinha tomar meu café, assistir os jornais da manhã e assim diminuir o inchaço... 
Numa madrugada enviei um whatts desesperada para o Dr. Márcio, com uma foto assustadora, porque até o meu olho direito estava muito inchado...  ele ainda me pediu desculpas por responder só às 8h da manhã... :)
 
Claro que eu não queria que ele visse minha mensagem de madrugada, mas não conseguia esperar o dia amanhecer para escrever... eu precisava desabafar... em algumas noites até chorei um pouquinho e como chorar ajuda a tirar a dor que está apertando o peito... 
 
Lembro de me falarem que eu devia estar feliz, já tinha feito mais uma embolização, já estava em casa... por esse motivo é claro que eu estava feliz, mas ao mesmo tempo eu já estava pensando que precisaria passar por tudo aquilo de novo... afffff....
 
Este pós operatório venho acompanhado de algumas crises nervosas, crises que eu já tinha desde os 16 anos, mas que estavam adormecidas há algum tempo... Visão toda embaralhada, mão e antebraço amortecidos, fala atrapalhada, mal estar total e depois muita dor de cabeça... nunca é fácil passar por isso, agora imagina passar por isso já fragilizada por uma cirurgia... 
 
Depois de um pós operatório cheio de fisgadas na cabeça, dores no local, mal estar e muito inchaço... 
Quinze dias depois e lá estava eu voltando ao trabalho, detalhe, agora eu tinha dois trabalhos para retomar... 
 
Mas e como voltar pra uma sala de aula com 50 acadêmicos com a fala ainda tão prejudicada pelo inchaço??? 
Como voltar a percorrer 150km por noite para chegar até a faculdade sem estar, totalmente, recuperada??? 
Voltar para sala de aula naquele momento seria uma missão impossível... e eu tinha absoluta consciência que precisava cuidar de mim... mas também não conseguia aceitar a ideia dos meus alunos ficarem sem professor por minha culpa... 
Que situação difícil... Chorei muito pensando nisso... :(
 
Foi então que pedi um favor imenso pra um amigo, ex aluno, ex orientando... pedi que me substituísse naquele mês e meio de aula até fechar o semestre... ele nunca havia entrado numa sala de aula como professor, mas encarou o desafio em nome de uma grande amizade... É aquela velha história, quem tem um grande amigo, tem um grande tesouro... e eu tenho tantos grandes amigos que não tem cofre capaz de guardar meu tesouro... :)
 
Como tudo na vida é aprendizado, nessa época eu aprendi que além do apoio da minha família e dos meus amigos, eu também podia contar com o apoio de novos colegas, amigos, companheiros de trabalho...
Na Câmara eu sempre pude fazer meus tratamentos sem me preocupar, pois eu tinha como adiantar os trabalhos e a direção e presidência sempre me falaram pra cuidar de mim em primeiro lugar... mas na faculdade seria diferente, na faculdade eu não tinha como adiantar trabalhos, e eu também não tinha como trabalhar... 
 
Eu tentei o auxílio doença, para o período que precisaria ficar afastada da faculdade, no entanto não recebi porque para isso eu precisaria estar afastada dos meus dois empregos... engraçado como são as leis, eu estava impossibilitada de falar à uma turma de cinquenta alunos, mas estava de posse de todas as faculdades necessárias para exercer meu cargo de contadora, mas a perícia do INSS não entendeu assim... Propuseram então que eu me afastasse dos dois trabalhos e ficasse recebendo da Previdência Social... Jamais me afastaria de um trabalho que eu pudesse executar... claro que não aceitei... me senti ofendida com a proposta, isso seria no mínimo amoral... 
 
Então, fui até à Faculdade e pedi minha demissão... assim com o valor do meu salário poderiam pagar o meu substituto... acho que era a única atitude digna a ser tomada...  
 
Para minha surpresa  meu pedido não foi aceito,  pela primeira vez eu via uma empresa assim...
A preocupação maior era com a minha recuperação... 
Meu coordenador, mais um anjo caído do céu na minha frente, me ligava, me enviava e-mails periodicamente, só para saber da minha saúde física e emocional... 
Foi incrível saber que existia uma instituição tão humana como esta e que eu fazia parte dela...  :)
 
O tamanho da embolização, o inchaço que não diminuía, as crises nervosas... era muita coisa que não deixava eu me levantar como gostaria... Estava tentando voltar à rotina mas não era nada fácil... estava me sentindo uma bonequinha de louça que por qualquer vento poderia quebrar... 
 
A insegurança é uma sensação terrível, é muito estranho conviver com ela... mesmo estando bem você nunca confia nisso... As microfisioterapias, as homeopatias e nada resolvia meu problema... eu não conseguia pensar em mais nada, só no sofrimento passado e no sofrimento futuro... :(
 
Como eu já me conhecia um pouquinho, eu sabia que precisava de um novo foco... de algo que dependesse de toda minha atenção... Mas o que seria???  um bichinho de instimação, um carro novo, um amor, uma viagem... hummmm???
 
Estava falando com uma amiga dessa tristeza que não queria passar, quando ela me disse, vem pra cá... vem me ver... 
Nossa e rever a minha amiga seria o melhor naquele momento, e eu disse vou... vou sim...Ponto!!! 
 
Só que minha amiga mora na Suíça e eu nunca havia saído do país, e eu não falo inglês quem dirá francês... hahaha
 
Mas como dizem por aí, quem tem boca vai à Roma, e quem tem uma amiga, companheira, quase irmã para ir junto, vai pra Suíça também... 
 
Pronto, resolvido... meu novo foco: minha primeira viagem internacional na companhia da minha amiga Cristina... mas já que íamos até Genebra ficar com minha amiga Giza, por que não dar uma passadinha em Paris e um pulinho em Londres??? 
 
Eu não podia pensar na possibilidade de viajar tanto e não visitar a Torre Eiffel e o Big Ben... nossa, como a vida muda quando se tem uma nova meta... é impressionante como a minha vida mudou, como os meus pensamentos mudaram... a minha angústia deu lugar à uma ansiedade boa... o meu pessimismo saiu de cena e deixou entrar o protagonista da minha vida, o otimismo... as dores deram lugar aos sonhos.... 
 
Uhullllll, agora mais uma vez eu só queria ser feliz... 
 
No início meus pais acharam que fosse só fogo de palha, que eu iria falar, falar, mas na hora desistiria... só que eu sou muito decidida, e por isso há quem diga que eu sou meio doida, o fato é que já perdi muito tempo pensando, agora eu prefiro agir.. hahaha
 
Não faço nada que eu não possa, sou muito cautelosa, prudente mesmo, então a primeiríssima coisa que fiz foi conversar com o Dr. Márcio para saber se poderia fazer uma viagem tão longa sem riscos em se tratando da embolização realizada recentemente... ele me disse que lá eu estaria muito bem assistida se precisasse, mas que não precisaria... 
 
O pré viagem foi maravilhoso, precisei aprender muita coisa nova, e eu adoro essa sensação de conhecer cada dia mais... Minha agente de viagem, a mais linda do sul do mundo, sofreu comigo porque eu não queria um pacote fechado, eu queria montar nossa viagem com tudo, milimetricamente, calculado... sem dores de cabeça, sem falhas... E ela foi conseguindo tudo do jeitinho que eu sonhava... Passagens aéreas, hotéis, passagens de trêm, os guias, os transfers, o cartão e seguro viagem, enfim, tudo, tudo, tudo... e detalhe, economizando porque nenhuma das viajantes tinha dinheiro sobrando... hahahaha
 
A Cris, minha companheira de aventura, só dizia: "escolha aí, amiga... eu confiio em você"... e eu não me fazia de rogada, escolhia mesmo... hahahaha
 
De um dia para o outro os sentimentos e pensamentos que pairavam sobre mim deram um giro de 360 graus... dos piores pensamentos aos melhores sentimentos num toque de mágica... Claro que eu ainda tinha alguns medinhos, mas minha coragem era bem maior... 
 
Nesse momento minha maior apreensão era por não falar inglês, minha teacher me incentivou e disse que eu me viraria, mas mesmo assim tinha a preocupação de desembarcar em Paris e nosso transfer não estar à nossa espera e eu não conseguir me comunicar com o taxista... hahaha
 
A Cris estava indo pra me fazer companhia, então eu precisava me cuidar e cuidar dela também... eu precisava fazer com que tudo corresse conforme o planejado e que fosse a melhor viagem das nossas vidas... 
 
Para me certificar que tudo estaria bem, eu fiz anotações com todas as informações dos hotéis, guias, transfers, passagens, contatos, telefones de amigas que moram na Europa e deixei uma cópia em casa, uma no trabalho, uma com a Cris e outra comigo... ah, e o cuidado com o passaporte, também fiz cópias extras pra deixar em todos os lugares... Bem coisa de marinheiro de primeira viagem... hahaha
 
Dois meses passaram voando, os preparativos estavam todos prontos e agora a hora era de decolar rumo à realização de um grande sonho... Mais que isso, era a hora de me superar em busca da felicidade :)
 
E foi assim que me vi dentro de um avião enorme, com comissárias de bordo francesas e 14 horas de voo pela frente...