Uma MAV q não me impede de viver!!!


Capítulo 12

Assim a vida recomeçou...
 
Quando completei 27 anos, meus pais me presentearam com um piano... todos conhecem o valor material de um piano, mas para quem já fez aulas, para quem é amante da música sabe que o valor de um instrumento desses vai muito além do que o dinheiro pode pagar... Prepararam uma operação de guerra para conseguir deixar o piano na nossa sala de jantar... Minha surpresa foi tão grande com este gesto, meu amor e minha admiração por meus pais só fez crescer tamanha foi a sensibilidade deles com esse presente... Há quase 15 anos sem dedilhar nada, foi incrível como descobri que tocar piano é como andar de bicicleta, a gente nunca esquece... hahaha
 
Esse novo brinquedo trouxe muita alegria pra minha casa, muita alegria para a minha vida... toda família se envolveu, todos gostavam de me ouvir tocar mesmo com muitos erros...  foi mais um motivo para renovar as esperanças e continuar o meu caminho, aprendendo a cada dia, renascendo a cada amanhecer... 
 
Alguns dias depois dessa surpresa, e ainda pouquíssimo tempo depois de sair do hospital, eu me via toda produzida, na formatura dos meus alunos... com uma beca linda, estava eu no Salão Nobre das Faculdades de Palmas, aguardando para receber a primeira turma de Ciências Contábeis que levava o meu nome... até aquele momento eu imaginava que já conhecia as melhores e as piores emoções... eu já havia sido professora homenageada em outras oportunidades,  mas quando o mestre de cerimônia falou: "Vamos receber agora a Turma de Ciências Contábeis Professora Luciana Kele Dorini"... aff, isso sim é emoção, que emoção... senti um misto tão grande de sentimentos, que é muito difícil de explicar... Resumindo... meu coração transbordou em lágrimas, claro que lágrimas contidas pois não podia borrar a maquiagem, afinal o momento era especial demais pra não ficar bem na foto... hahahaha
Pra completar a magia desse momento, nessa mesma noite era a formatura do meu primo/amigo, um dos meus salvadores naquela noite difícil em que tive um sangramento na faculdade, e mesmo sem fazer parte da minha turma, adivinha quem entregou o seu diploma??? Eu, euzinha entreguei cheia de orgulho o diploma para o meu aluno/primo/amigo... e depois da colação de grau concluída fomos festejar todos juntos... A minha alegria era imensa, e eu imagino quão maior foi a alegria dos meus pais, que por serem convidados do meu primo, puderam estar presentes nesse que foi um dos melhores momentos da minha vida... Há menos de 100 dias eles tinham me visto naquela situação terrível na UTI, e agora estavam me vendo linda e explodindo de felicidade... 
 
Claro que nem tudo são flores... Em tão pouco tempo de pós episódios avassaladores, eu não poderia estar em plena forma, nem física nem emocional e a ansiedade desses acontecimentos tão importantes me deixaram ainda mais frágil... Mas tudo bem, a cerimônia já tinha terminado, o momento mais importante da vida dos meus queridos afilhados já havia passado... agora era só fazer a festa... 
Só que não... hahaha
 
Como eu adoro um turbilhão de emoções, nessa noite não poderia ser diferente, então pra completar aquele misto de sentimentos, encontrei em menos de 10 metros quadrados, àquele carinha que me apresentou à decepção com o sexo masculino e um outro ex, aquele que era amigo, virou namorado e que depois acabou sem ser namorado, muito menos amigo... 
 
Gente, acho que isso só acontece comigo... como pode??? hahaha
 
Sorte deles que eu não estava em plena forma, então preferi só observar... 
Brincadeira, mesmo em perfeita forma eu só observaria... não sou adepta a escândalos, muito pelo contrário, acho que questões de casal, por mais ridícula que sejam, devem ser resolvidas a dois... Mas observei muito bem, o nervosismo pelo encontro não foi só meu... hahaha
Enfim que a noite terminou e a rotina novamente se instaurou em minha vida... 
 
Oito horas diárias de trabalho na prefeitura, mais algumas noites de trabalho nas faculdades e nas folgas de trabalho uma readaptação alimentar para ingerir mais vitaminas e assim conseguir manter meus níveis nutricionais equilibrados...  Pela extração dos dentes, a alimentação era um problema... Orientada por uma amiga muito especial, que vê muito além do que os olhos podem mostrar, iniciei uma dieta com menos carboidratos e mais proteínas... ela me apresentou o chuchu e a manga, eu os detestava e comecei a apreciar demais... novos hábitos... :)
 
Além da readaptação alimentar o mais difícil era esquecer os fatos difíceis... 
 
Não sei se todas as pessoas são assim, mas ao fechar os olhos eu só conseguia enxergar um novo sangramento, uma nova corrida pela vida... nada me fazia esquecer aqueles momentos desesperadores... 
Então fazia a única coisa que eu sabia fazer, trabalhava muito para não sobrar tempo para pensar nos problemas... 
 
Estava muito difícil para superar a sensação de medo crônica... era a terceira vez que eu havia sido acometida por um sangramento tão importante, e a cada vez tinha sido maior... e a cada vez os procedimentos tinham sido muito mais arriscados... e a cada vez eu enxergava mais perto a temida "morte"... Eu sabia que tudo  já tinha passado, que eu já estava com meu físico reestabelecido, mas o medo que tudo aquilo voltasse a acontecer me aterrorizava dia após dia, digo...minuto após minuto ... :(
 
Mesmo com medo da vida, a vida não para... então eu continuava a minha rotina, tão somente a minha rotina... creio que o meu inconsciente imaginava que se eu fugisse um milímetro dos passos que tinha dado nos outros dias, algo ruim poderia acontecer... assim comecei a me isolar... me isolar da minha turma de amigos, das festas, das bebidinhas, das danças, das diversões... 
 
Eu recebia muitos convites, e nunca disse "não vou"... mas ao final das contas sempre arrumava um jeitinho para não ir, para não sair do meu casulo... acho que o meu medo era sair e virar "borboleta"... hahaha
 
Vocês notaram que há três capítulos que não falo mais de "amor".. amor de romance???
 
Pois é, até então, antes de passar por tantas dificuldades sérias na vida, eu achava que pudesse morrer por uma dor de amor... eu achava que o sentimento que eu nutria por àqueles homens da minha vida(cada um no seu tempo, óbvio.. hahaha), fossem os maiores sentimentos do mundo... agora, eu conseguia enxergar com clareza que o maior sentimento, o sentimento que move as pessoas, não é o amor pelo outro, mas o amor por si próprio... aprendi que o amor pela minha família e pela minha vida são os sentimentos mais verdadeiros e mais fortes que eu conheço, e que são eles que me fazem acordar de manhã e ter vontade de ir à luta, independente das dificuldades a enfrentar...
 
Não estou menosprezando os relacionamentos afetivos, de forma alguma, eles têm um valor imenso na vida de todos nós... no entanto, precisamos aprender, e eu aprendi da pior forma, que a vida não é só isso, que a extensão da nossa existência é muito maior...
 
Enfim que continuei vivendo, trabalhando muito, festando pouco, e cada dia mais refugiada em casa, na segurança de estar em família... Acho muito engraçado, mas meu inconsciente estava funcionando assim: quando eu ia sair pra trabalhar, fosse onde fosse, eu me sentia muito bem, muito forte, muito corajosa... agora quando eu ia sair pra passear, me divertir, namorar... vixi, aí o bicho pegava... aí me sentia fraca, frágil, vulnerável...  
Eu comecei a me sentir culpada quando eu queria festejar pela vida... e aí acabava sempre ficando em casa, protegida por desculpas bobas que inventava para mim mesma... uma dor de cabeça, uma dorzinha no local da malformação, tontura, menstruação, muitas provas para corrigir, muitas aulas para preparar... minhas amigas, meus amigos, devem lembrar muito bem dessa minha fase triste... Sair para comer uma pizza era uma batalha... 
  
Acho que mesmo sem querer o pensamento que rondava a minha mente, é que eu já havia sido tão agraciada por estar ali, vivinha da silva, que só isso já me bastava... que não podia mais arriscar, que não tinha mais esse direito... :(
Estranho falar isso, mas era assim mesmo que eu sentia... Nessa época eu comecei a me privar de muitas coisas que me faziam feliz... por medo, por ansiedade, por angústia, por insegurança... Nessa época o hemangioma me aprisionou... eu já não me sentia inteira...
 
Fisicamente, eu estava bem, mas o meu emocional ainda estava muito abalado... o medo da reinscidência dos sangramentos era um fantasma que não saía do meu lado... e como é difícil viver acompanhada de um fantasminha desses... 
 
Nossa, acho que é a primeira vez que falo tão francamente desses sentimentos... :(
 
Uma vez, em uma consulta, perguntei ao Dr. Lauro: "então eu posso morrer a qualquer momento se um vasinho desse se romper?"... e ele me respondeu: "Sim, você e eu tb, qualquer um de nós pode morrer a qualquer momento"... fato... hahaha
 
Nessa mesma época, consultei uma ginecologista em Curitiba, que me falou a mesma coisa mas em outras palavras, palavras essas que quero compartilhar porque jamais saírão da minha cabeça: "Luciana, todos temos uma espada apontada para nossas cabeças, a diferença é que a sua você pode ver"... Perfeita colocação... é exatamente isso... como sempre lutei contra as hemorragias, a espada que me amedronta é a malformação, mas qualquer espada pode cruzar a minha cabeça... como qualquer espada pode cruzar a sua, ninguém conhece o que o futuro nos reserva... 
 
Só que mesmo conhecendo a teoria, a prática é mais complicada... 
Complicada de entender, complicada de superar, mas não impossível de se vencer... e por isso a história vai além... ;)