Uma MAV q não me impede de viver!!!


Capítulo 17

Quando voamos de Curitiba para Recife senti uma sensação de liberdade imensa... e a certeza de que tudo na vida passa... há vinte dias estava no hospital, agora estava saindo de férias... Não tem coisa melhor que depois de vencida uma batalha você recolher as armas e viver... E viver sem medo de perder a guerra... 
 
Mesmo sem meu pai, que não viajou porque essa era uma viagem de "meninas", eu não poderia ter companhia melhor... amiga/irmã... tia/madrinha... e a minha mãe/melhor amiga... 
 
Todas queriam estar comigo, me afagar, me cuidar...  mas acho que  na viagem, fui eu quem cuidou muito bem delas... hahaha
 
Sou do estilo chefe de excursão, planejo e faço com que o planejado seja cumprido... 
Até os documentos de identidade e as passagens delas eu segurava comigo pra facilitar os embarques... hahaha
 
Foi a primeira viagem de avião da minha mãe, mas ela nunca teve medo, minha mãe gosta de experimentar os prazeres da vida... sem ansiedade e cheia de luz... 
 
Minha amiga querida disse que nunca andaria de avião, e não é que andou e gostou... hahaha
Ao início do primeiro voo lá estava a Valquíria andando de um lado para o outro procurando os melhores ângulos para as melhores fotos em sua primeira viagem aérea... ela não sabe como essa satisfação me fazia bem, meus olhos e meu coração sorriam ao mesmo tempo em vê-la feliz... 
 
Minha tia e eu já conhecíamos essa sensação e continuamos adorando... 
 
Em terra firme, chegando em Recife, partimos logo para nosso hotel em Porto de Galinhas... um hotel maravilhoso onde ficamos 4/5 dias aproveitando a tranquilidade, a beleza e a energia daquele paraíso...
 
De lá seguimos para Fernando de Noronha, o tão sonhado destino... 
Chegando lá fomos avisados que só havia um voo de saída da ilha por dia às 17h, "portanto cuidem-se para não se machucar, pois só temos os primeiros socorros aqui", essas foram as palavras do nosso recepcionista...hahaha
 
Pra quem estava num pós operatório, até que não me abalei com essa surpresa... hahaha
 
O que me abalou mesmo foi a nossa pousada... Aff, apesar de ter tudo o que me disseram que teria, o lugar era muito feio, a gente precisava passar por um corredor de "mato" para chegar ao nosso quarto... Eu fiquei desesperada... Eu chorei... Não fazia ideia de que seria daquele jeito... 
E de tanto conversar, conseguimos mudar para a pousada onde minha tia e minha amiga haviam sido alojadas, ao lado da nossa... Lá sim poderíamos ficar sossegadas e juntas... 
 
Nada disso tirou o brilho da nossa viagem... As paisagens de Fernando de Noronha são surpreendentes... 
Mesmo sem poder mergulhar naquelas águas tão límpidas ou fazer alguma trilha ecológica, tudo que avistamos não sairá da nossa mente jamais... 
Só que nem tudo são flores, e em Noronha não seria diferente... 
Na minha opinião falta muita infraestrutura num ponto turístico tão visitado... acho que os conceitos de preservação e de abandono estão muito próximos por lá... 
 
Eu havia visto num globo esporte uma entrevista de um padre surfista que fazia missas em cada pôr do sol numa capela muito fofa... e disse que queria ir até lá... e olha como é o destino, chegando na pousada dou de cara com quem??? 
O padre... e quando marcamos de visitar a capela e assistir uma missa, ficamos sabendo por um casal que estava na mesma pousada que naquele dia seria o seu casamento lá...  
 
Que coisa mais linda, mais romântica foi o casamento deles em Fernando de Noronha... eles nos convidaram e nós fomos testemunhas desse enlace e de toda a magia que há naquela ilha, em todo o amor que a gente sente naquele pôr do sol... 
 
Saindo de Noronha ainda passamos um dia em Recife e Olinda...  depois voltamos pra Curitriba...
 
Em todos esses dias no nordeste eu não tive nem dor de cabeça...eu não lembrei da Lu paciente, e sim da Lu que tem uma vida toda pela frente...
 
De volta à Curitiba..  quando me olho no espelho me deparo com o reinício da necrose...
Como Deus é maravilhoso, já pensou se acontecesse isso lá em Noronha, eu ia ter um piti... mas agora já estava chegando em casa e sabia como lidar com a situação... 
Agora já estava quase em casa e só tinha o que agradecer... 
 
Voltando ao trabalho, vida normal... 
E eu adoro vida normal, eu adoro rotina...
 
Nessa época eu já estava mais solta, já conseguia sair pra comer uma pizza sem muitas preocupações... já conseguia fazer reuniões de amigas sentindo-se leve, mas ainda estava sem turma de "solteiros"... sem turma de "balada"... de fato eu já não sentia falta disso pois há muito tempo não vivia assim...
 
Só que um dia, fiquei sabendo de uma notícia que me entristeceu, uma amiga/irmã/comadre do meu coração havia se separado... àquelas separações bruscas que deixam feridas difíceis de cicatrizar... Eu não fiquei triste pelo término do casamento, pois eu sabia há bastante tempo que esse relacionamento não lhe fazia bem, mas fiquei muito triste pela situação, triste por sua tristeza, triste por sua desilusão e muito preocupada também... Preocupada com sua dor, preocupada com sua recuperação, preocupada em estimular uma volta por cima... 
Eu precisava fazer alguma coisa pra tentar ajudá-la a sair dessa fase o mais breve possível... Foi então que soube que haveria um show de música sertaneja na minha cidade e a convidei para vir... além de convidá-la conversei com minhas primas para saber se poderíamos ir todas juntas... afinal, festa só é boa se a companhia for também... 
 
Na noite que antecedia o show, fui surpreendida por um sangramento na necrose... acordei com uma grande mancha de sangue no meu travesseiro e outra na minha camisola... A primeira coisa que veio à cabeça, não vou mais ao show, isso foi um aviso que não deveria ir... Isso foi um aviso que preciso me cuidar mais... Isso foi um aviso que preciso sofrer?!? 
Quanta coisa maluca passa na cabeça da gente numa hora de desespero...
 
Vi meu castelinho de areia desmoronando... :(
 
E quase desmoronou... Sorte que naquele dia tínhamos visita, minha prima e microfisioterapeuta, que me disse " Você está bem e vai sim... claro que você vai"... Ela já sabia como me encorajar de outros carnavais... hahaha
 
Quanto tempo não me produzia pra uma balada... make, vestidinho, salto alto e fomos ao show...
Lá nos encontramos com outros amigos, dançamos até que os pés suplicaram, parem por favor!!! hahahaha... 
 
Eu via no semblante da minha amiga "paz"... e sentia a mesma coisa... 
 
Nesse mesmo show já fomos convidadas para uma outra festa, e fomos também... e assim já tínhamos uma turma de "solteiros"... hahaha
 
Como a vida é engraçada, como uma dor pode levar a um caminho tão gostoso?!? 
Depois de tantos anos eu me sentia livre e jovem de novo... hahaha
Mesmo sem beber nada além de água, eu me divertia demais em cada festa, em cada baile, em cada encontro... 
 
E a cada dia novas amizades... e a cada dia novas vontades... e a cada dia vida nova... 
Foi assim que titulei o álbum de fotos de festas no meu facebook, porque realmente era vida nova pra mim... 
 
Nessa época reencontrei amigos maravilhosos perdidos no tempo... e conheci pessoas incríveis que vou levar comigo pra sempre... nessa época, mesmo com a necrose gritando, eu esqueci que tinha algo diferente... nessa época tive o melhor 1º de ano da minha vida, acho que todos voltamos a ser crianças e todo mundo acabou brindando 2013 dentro da piscina... Quanto tempo minha casa não via uma festa dessas... 
 
Nessa época também fui convidada a voltar pra sala de aula, numa tarde recebi uma ligação do coordenador de curso de ciências contábeis da FADEP, uma faculdade na minha região, e foi mais forte que eu... não consegui resistir. 
Fiz a banca, fui aprovada e mesmo declarando que em breve eu precisaria fazer uma nova cirurgia, fui contratada... 
 
Iniciei as aulas e não conseguia entender como havia ficado tanto tempo distante daquela energia boa, daquela convivência prazerosa, daquela troca de conhecimentos, daquela troca de emoções... 
 
Em pouco tempo o procedimento foi marcado, e lá estava eu perdida entre os sentimentos... 
Não sabia se ficava feliz ou triste, não sabia se queria que o dia chegasse logo ou se demorasse muito... 
Não sabia se o resultado me traria mais vida, ou não me deixaria mais viver... :(
É bem difícil trabalhar essa miscelânia de sentimentos... 
 
Só sabia que não tinha como fugir... só sabia também que queria aproveitar cada instante antes de entrar mais uma vez naquela sala de cirurgia... 
 
Agora eu era professora além de contadora, portanto não teria como antecipar meu trabalho, e não poderia deixar meus alunos sem aula... Foi então que organizamos uma operação de guerra.. hahaha
A previsão era que eu ficasse duas semanas afastada do trabalho, então planejei aulas com assuntos complementares para esse período, contando claro com grandes amigos para dar essas aulas... 
 
Amizade não tem preço mesmo, amigos que nunca foram professores, amigos de longe, amigos de perto mas com uma agenda apertadíssima... todos concordaram em me socorrer... 
 
Trabalhos adiantados na câmara, minha ausência da faculdade já resolvida, agora eu precisava relaxar....
 
Foi então que convidada por um amigo muito querido, eu resolvi ir numa balada... minhas amigas não podiam ir comigo... :(
 
Mas eu fui...  
Fui com um amigo, um conhecido e um desconhecido... hahaha
 
Foi uma das noites mais divertidas que consigo lembrar... A viagem foi melhor que a balada, como foi bom ter saído com aqueles três... mesmo sem saber eles revigoraram minha alma...mesmo sem saber eles me fizeram mais forte... 
Eles me contagiaram com sua leveza e sua alegria... E hoje todos são amigos :)
 
Assim eu passei a última semana antes da cirurgia mais tranquila, menos ansiosa porém ainda nada confiante... 
 
Alguém me disse, você já está acostumada, nem sofre mais... :(
Como se alguém se acostumasse com a dor, com a agonia, com o medo... 
 
Por sorte, eu só me acostumo com coisa boa... hahaha
 
Confiante ou não, internei mais uma vez e essa vez não foi como a última não... 
 
Meu procedimento deveria acontecer pela manhã, então dei entrada no hospital cedinho, em jejum absoluto e fiquei aguardando até que me chamassem... 
 
Eu não gosto de esperar nem em fila de banco... agora imagina esperar por horas num momento como esse... e para piorar a situação sem poder colocar nem água na boca... 
Nunca fiquei tão nervosa, tão brava, minha vontade era sair correndo... 
A minha amiga Val, secretária da hemodinâmica, não podia mais me ver, porque eu fiz algumas viagens até lá para saber o que estava acontecendo... 
 
Pela primeira vez naquele hospital eu me sentia desrespeitada...
Ninguém mais conseguia me passar otimismo, porque todos: meus pais, meu irmão e minha cunhada, minha amiga Valquíria, todos estavam angustiados como eu... 
O Dr. Lauro também já havia me procurado na hemodinâmica... mas nada acontecia... 
 
Muito tempo já tinha se passado quando nos informaram que o meu procedimento teria ficado por último para poderem me dar mais atenção, já que o meu caso era bem mais delicado que os demais...
 
No final da tarde vieram me buscar, e eu segui aqueles corredores mais uma vez com um nó na garganta e com os olhos cheios de lágrimas... lágrimas de medo, de fome, de dor, de angústia, de saudade... saudade da vida e das pessoas que eu estava deixando lá fora... 
 
Nesse dia meu coração só se acalmou quando o Dr. Márcio chegou com seu jeito afetuoso e ao mesmo tempo seguro, para enxugar minhas lágrimas e dizer que estava tudo bem, e que a cirurgia iria começar... :) :(