Uma MAV q não me impede de viver!!!


Capítulo 25

Eu nunca aceitei que no Brasil o ano começasse depois do Carnaval... mas dessa vez o meu ano só iniciou depois do Carnaval, com a necrose menor e continuando o meu tratamento com água e mel...
 
Apesar de não poder voltar às aulas, porque não me achei em condições físicas e psicológicas, por conta dos sangramentos, retomei meu trabalho na Câmara cheia de vontade e plenamente revigorada... e aos poucos fui voltando às minhas atividades normais... Massagens, caminhadas de leve, passeios, jantinhas... e as orientações de estágio também, porque ficar afastada das salas de aula é uma coisa que eu aguento, mas ficar afastada dos meus alunos, aí já seria exigir demais do meu coração... :)
 
E por falar no meu coração, com aquele carinha do facebook não rolou nada... o envolvimento foi legal mas faltou paciência minha e atitude dele... haha
 
E falando em atitude, acabei conhecendo outros carinhas cheios de atitude, mas só atitude... haha
 
Acho que o campo dos relacionamentos não é a minha especialidade mesmo, então resolvi me aposentar dessa área...
 
E a vida foi seguindo normalmente, mas eu sabia que mais dia menos dia eu precisaria voltar ao hospital para uma nova embolização... eu sabia que logo minha calmaria iria pelos ares... e foi numa tarde bem tranquila, no meio de uma massagem que meu celular tocou e vi o nome do "Dr. Márcio"... não precisa ser muito inteligente pra saber que aquela ligação tinha um motivo bem especial... Acho que tremi ao atender.. sabia que ele iria me falar sobre a cirurgia... e eu queria fazer, mas também não queria mais sofrer...  Atendi e ele me falou: "Luciana, a Unimed liberou e marcamos sua embolização"... e quando perguntei pra quando, ele disse: "30 de março"  não sabia o que dizer, se que bom Dr.... ou  "I don't believe" ...  :(
 
Estava muito próximo, eu não estava esperando por isso... não agora... No entanto, sou muito obediente, aos médicos pelo menos, e não questionei... na verdade eu sabia que era necessário e que eu precisava encarar, então quanto antes melhor... 
 
Mais uma vez uma data especial... 30 de março, aniversário dos meus sobrinhos gêmeos... 
 
Como sempre corri para deixar tudo organizado, adiantei meu trabalho ao máximo, mas o mais difícil era controlar o emocional... É difícil demais pensar que você tem data e hora marcadas para entrar em um procedimento cirúrgico, sabendo como vai entrar, mas sem saber como vai sair... mil coisas vêm à mente... pouquíssimas são boas... e o mais complicado é aquele comentário: "você já fez tantas, já está acostumada, nem liga mais"... ai como isso doi... ou melhor, como isso agrava a dor que você já está sentindo... apesar de ter feito tantas e tantas cirurgias, meu sonho é que não precisasse mais uma... meu desejo é que a que passou fosse a última e que eu pudesse seguir minha vida serenamente... 
 
Diferente de tantas pessoas que adoram fazer cirurgias e mais cirurgias, pois quando retiram a barriguinha descobrem que sua felicidade está em mudar o nariz... quando mudam o nariz percebem que só serão felizes mesmo quando fizerem uma lipo nas coxas... e quando estão com as coxas mais lindas do mundo notam que pra ser feliz de verdade é preciso aumentar os seios... mas depois de aumentar os seios atinam que a tristeza continua então precisam aumentar o bumbum aí quando já são uma rainha de bateria perfeita, constatam que não sabem sambar... hahaha
 
Eu, bem diferente delas, fujo dos centros cirúrgicos, pra mim a maior beleza é estar viva e sorridente... Mas dessa eu não tinha como fugir, eu precisava ser forte e enfrentar àquela que poderia ser a última embolização, dando por encerrado esse tratamento... Dessa vez tínhamos um agravante, pela primeira vez iríamos sozinhos, meus pais e eu para Curitiba... e eu já estava preocupada com os dois sozinhos naquela sala de espera... porque se é angustiante esperar na fila do banco, imagina esperar por notícias da sua filha que está passando por uma cirurgia???
 
Alguns dias antes de viajar, descobri que uma amiguinha muito especial, a Gabi, passaria por uma embolização no dia seguinte à minha, e sua mãe, minha amiga Fabi, estaria lá no hospital... então fiquei mais tranquila, por nós e por elas, pois estando internadas no mesmo período poderíamos cuidar umas das outras... 
 
Os dias passaram muito rapidamente, e a minha preocupação só fazia aumentar... Na última semana eu estava a mil e não sabia mais o que fazer para controlar a ansiedade... ou melhor, para me controlar diante de tanta ansiedade... Acho que foi na terça-feira o dia que chorei o tempo todo - trabalhando e chorando.... chorando e lendo.... comendo e chorando -  não sei direito quais eram os meus pensamentos, quais os maiores medos, mas sei que a dor no peito era grande demais pra eu poder suportar sozinha... eu precisava de ajuda, mas não era ajuda médica e tampouco da minha família, eu precisava de ajuda de alguém que me conhecesse, extremamente bem... conseguisse me entender, mas ao mesmo tempo fosse centrado e firme o suficiente para me confortar sem me desencorajar... Lembrei então daquele cara da net, que conheci há muitos e muitos anos... que era um amor e depois virou um amigo, e que ocupará pra sempre um lugar muito especial no meu coração...  mandei uma mensagem no estilo "help-me" e ele me retornou, imediatamente, com uma ligação... mas eu não pude atender, porque não conseguiria falar... afinal estava em prantos... então recebi uma msg "se não me atender não poderei ajudá-la", mensagem que não precisaria ter remetente para eu saber de quem era... hahaha...  
 
Expliquei a situação e ganhei 40 minutos para me acalmar, porque voltaria a me ligar... Dito e cumprido, ligou-me e ficamos quase uma hora ao telefone... sabem aquela história de quem escolhe o "conselheiro" é porque já sabe qual conselho quer escutar... escolhi bem, e ouvi tudo que eu precisava ouvir e ainda com um pluss que tranquilizou meu coração... só desligou o telefone quando eu já estava rindo, ou seja, quando eu voltei ao meu normal...
 
Engraçado como têm pessoas com esse poder de nos mostrar a realidade sem serem duras... de nos apresentar as dificuldades com foco no sucesso...  de nos fazer fortes quando já não sabemos onde encontrar coragem pra continuar...  Se precisasse agradecer àquela ligação, não sei se teria como, porque ela mudou não só o meu dia, mas a forma de encarar essa nova cirurgia... Que bom que não preciso agradecer... :)
 
Depois disso fiquei mais leve, e os dias passaram ainda mais rápido... a comemoração do aniver dos meus sobrinhos foi antecipada para o sábado à noite, e no domingo pela manhã nós partiríamos para Curitiba... 
Foi difícil engolir qualquer coisa... porém a noite passou e seguimos viagem... eu fui dirigindo como sempre, dirigir me dá uma certa paz... 
 
Chegamos à tarde no hospital, dei entrada, e logo recebi a visita de uma amiga de infância e sua filha... nossa como as amizades fazem toda a diferença em nossa vida... As horas em que a Cheila e a Julia passaram conosco... relembrando o passado e ilustrando um presente adorável e um futuro promissor,  me fizeram relaxar, desfocar totalmente da cirurgia, e ainda ver quantas luzes existem antes do fim do túnel... :)
 
Depois que elas sairam, troquei várias mensagens com um amigo muito querido que sabia muito bem o que eu estava sentindo naquele momento e isso me acalmou ainda mais...
 
O Dr. Lauro me fez uma visita rápida, pois tinha uma viagem marcada... e ficou admirado com a recuperação da necrose... disse que não sabia o que eu tinha feito, mas que era para eu continuar... :)
 
Eu tinha um soro prescrito, mas liguei para o Dr. Márcio e ele me liberou... dormir com soro na veia não é a coisa mais agradável do mundo, mas pior que isso é a picada para colocar o soro...  já que tenho que levar uma agulhada, prefiro que seja na hora e uma só... 
 
Nessa noite precisei aumentar a dose do meu remedinho pra dormir, e assim mesmo não dormi nada bem... sorte que logo cedo vieram me buscar, meu procedimento seria o primeiro do dia... Inexplicável como aqueles corredores tornam-se tão longos e tão frios quando você está de roupa cirúrgica sem ser médico... haha
 
Pra variar já cheguei à Hemodinâmica chorando...
 
Parece tão simples pegar uma veia pra colocar um sorinho... mas não é... não é simples para quem tem horror à agulha...  não é simples para quem está angustiada.... não é simples quando se sabe que depois daquele sorinho vem uma anestesia geral, uma cirurgia endovascular e um novo período de recuperação, recuperação esta que pode ser na UTI... 
 
UTI, acho que de tanto ouvir: "ele não se salva, já foi pra UTI"... ou então: "o caso é sério mesmo, não tem mais o que fazer, está na UTI"... sempre tive uma imagem que a UTI era a última passagem... depois que estive lá pela primeira vez vi que não era isso... mas vi também que não era nada "gostoso" passar por lá...e desta forma, se for elencar a escala dos meus medos, acho que a Unidade de Terapia Intensiva encontra-se como primeiro colocado estourado... 
 
É dificil explicar a sensação de estar deitada, imobilizada, olhando para todas aquelas luzes, rodeada por enfermeiros, ao lado do anestesista, prestes à dormir sem saber quando e como vai acordar... medo, angústia, insegurança, vontade de sair correndo e ao mesmo tempo a obrigação de suportar e uma esperança que surge fraquinha, lá dentro pra dizer: "vai dar tudo certo, você vai superar mais essa"...  o coração fica tão apertado e batendo tão apressado... impossível amansar... 
 
Lembro que neste dia o anestesista chegou  para me sedar, e eu disse que não... que não queria dormir antes de ver o Dr. Márcio... imagina só, se eu aceitaria ser sedada antes de conversar com o meu médico, nunca... Sou uma paciente meio chata, mas eu preciso disso, eu preciso ter algumas certezas.. entre elas que meus médicos estarão ao meu lado em todos os momentos... O anestesista me entendeu, mas disse: "uma dosinha bem leve, só pra você acalmar um pouquinho até que ele chegue"... aí vi que meu nível de estresse era bem maior que eu imaginava... 
 
Quando o Dr. Márcio chegou... com seu olhar terno, suas palavras tranquilas e seus gestos de carinho, acho que consegui acalmar um pouco... ou a dosinha aumentou sem que eu percebesse, porque depois disso, não vi mais nada... :)
 
Só lembro de acordar na hemodinâmica... e acordar na hemodinâmica quer dizer que não iria pra UTI e isso já foi perfeito pra mim... não lembro de muitas coisas... acho que Deus nos faz esquecer de detalhes que são desnecessários, mas lembro que minha mãe entrou lá e me fez companhia até seguirmos para o quarto...  
 
Gente, vocês não imaginam a alegria de ir direto para o quarto com meus pais...  claro que nem tudo são flores e eu precisava ficar as 24 horas sem mexer a perna... fazer xixi na tal "comadre" e ainda continuar vestida com aquela roupinha super fashion do  hospital... mas isso parecia presente perto da possibilidade de viver tudo isso naquela sala fria longe de tudo e de todos que amo... 
 
Incrível como lembro de pouquíssimos momentos dessas primeiras 24 horas... acho que fiquei tão feliz que não me incomodei com mais nada... Logo fui liberada para comer... e para uma "gulosa" como eu... comer é mais um daqueles lindos presentes... mesmo que seja chá com bolacha... hahaha
 
Recebi a visita da Fabi... recebi inúmeras ligações... e dezenas e dezenas de comentários e mensagens no facebook... como é bom se sentir querida... ainda mais nesses momentos delicados da vida...
 
O Dr. Márcio passou pra me ver, e me explicou que a emolização foi realizada por fora, diretamente na malformação e que o Dr. Abath (o médico do Recife que vem para liderar os meus procedimentos) conseguiu pegar ramos bem importantes... e isso deixou todos muito felizes...Dr. Márcio era só sorrisos... o que me deixou super satisfeita... :)
 
Não sei exatamente a hora, mas na manhã seguinte, logo cedo saí da cama... e quando saio da cama, saio mesmo... tomei café, tomei meu banho e já era outra mulher... por mim poderia ir pra casa... mas para não deixar ninguém triste e com saudade, resolvi ficar mais um dia no hospital... hahaha
 
Almocei um Mac que meu pai foi comprar a meu pedido... não que eu adore lanches, mas a verdade é que não consigo comer aquela comida de hospital.. sem sal, sem açucar, sem gosto... :( 
 
À tarde recebi uma amiga até então de face, conhecida dos meus pais, que veio nos visitar... a Eudete chegou com todo seu carinho e um bolo delicioso... 
 
A Gabi, minha amiguinha, estava fazendo seu procedimento, e a Fabi, sua mãe, ficou com a gente...  Foi muito bom poder passar essas horas juntas... nos fizemos companhia.. nos amparamos... e fortalecemos nossa amizade...  O procedimento dela também foi um sucesso... :)
 
Mais uma noite no hospital, e na outra manhã, um pouco irritada por esperar tanto pela minha alta, mas me despedi do HNSG e de Curitiba... não que eu seja uma pessoa ansiosa, mas quando assinaram minha alta já estava quase chegando no carro... hahaha
 
E depois de uma viagem tranquila, ao fim da tarde chegamos em casa... Lar Doce Lar... como é bom chegar em casa... Pra mim ainda parecia mentira que eu já tinha realizado o procedimento e agora era só me recuperar... 
 
Claro que não é uma coisa muito simples.. só me recuperar... mas apesar das crises de enxaqueca, de algumas dores, e vários outros sintomas estranhos, dessa vez minha recuperação foi mais suave... e eu creio que a culpa dela ter sido mais suave, foi de uma mãe que me chamou no facebook para me falar sobre sua filha que nasceu com hemangioma... ela estava cheia de dúvidas quanto aos tratamentos e principalmente, em como seria a sua vida no futuro... Conversamos por algum tempo, e ao final ela me disse que estava tranquila, pois agora sabia que sua filha poderia ser feliz como eu... e eu disse: "Mais feliz que eu"... 
 
Essa mãe, morava numa cidade onde já morei e por isso me conhecia, e por isso ficou sabendo que sua bebê nasceu com um problema semelhante ao meu... Depois da nossa conversa comecei a pensar em quantas e quantas mães.. em quantos e quantos pais sofrem com essas dúvidas... Sofrem o sofrimento dos meus pais... e resolvi que precisava fazer alguma coisa pra compartilhar a minha experiência face à anomalia vascular que tenho com mais gente...
 
Pensei muito sobre o assunto... e por muitos dias... foi quando tive a ideia de criar um blog... Conversei então com alguns amigos da área de tecnologia de informação, do direito e da medicina e todos me apoiaram incondicionalmente... Mas cá para nós, eu não sabia nem por onde começar... hahahaha
 
E foi numa tarde chuvosa, tranquila que resolvi buscar na net como fazer isso acontecer... pesquisa daqui, pesquisa dali... até que surgiu o Eu tenho um hemangioma, e daí???
 
Naquela mesma tarde criei o blog, e o alimentei com as informações básicas... passei para algumas pessoas darem uma olhada e todas gostaram...  alguns dias depois, com mais dados e algumas alterações sugeridas, lancei o blog no facebook... 
 
Confesso a vocês, eu não esperava que ele fosse tão bem visto... o que me deixou, extremamente, feliz... e o que me fez ter uma recuperação plena e doce... 
 
Ah, e melhor que isso... ter um divisor de águas na minha vida... Hoje vejo minha vida como AB e DB... "antes do blog" e "depois do blog"...
 
E a primeira parte da minha história acaba aqui, para a outra poder começar... ;)
Espero vcs... :) :) :)